sexta-feira, maio 03, 2024

O Segredo e a Maçonaria - por um não maçom

Talvez o aspecto mais famoso da maçonaria, carro chefe de todos os outros, é o seu caráter sigiloso e todos os segredos e mistérios que guarda. Um dos motivos para cultura popular construir um complexo e suntuoso sistema de crenças, impressões e teorias conspiratórias em volta desta antiga e conhecida — talvez não tão bem conhecida — instituição. 

O problema do mito como inverdade 

   Digamos que eu tenha uma caixa. Enquanto esta caixa permanecer fechada, dependendo do meu grau de eloquência, posso convencer uma plateia que dentro dela contem quase qualquer coisa que eu queira. Se eu disser que dentro da caixa há uma pedra, não teriam motivos para duvidar. Mas, caso eu diga que esta pedra é preciosa ou que, na verdade, dentro desta caixa há muitas pedras e objetos mágicos, provavelmente você duvidaria. O problema é que, você poderia até não acreditar, mas muitas outras pessoas poderiam acabar acreditando. 

Bem, digamos que eu tenha falado sobre as pedras preciosas e itens mágicos de dentro da caixa de modo muito convincente. Se o discurso foi realmente bem contado, mesmo quando eu abrir a caixa e mostrá-la vazia, poderá have uns que acreditaram tanto na história que dirão “Então esta caixa não é a verdadeira. A verdadeira caixa contem itens maravilhosos dentro dela. Vamos atrás da verdadeira caixa! ” A partir daí eu não tenho mais nenhum controle sobre o mito que criei. Grupos poderão se organizar para ir em busca do baú mágico cheio de itens maravilhosos, que na verdade nem existe. Mas claro, isso é uma pequena alegoria que eu acabei de inventar, nunca aconteceria na realidade. Ou aconteceria? 

   Esse é o problema do mito quando ele é apenas uma história falsa, um conhecimento inverídico sobre algo. Sem nenhuma das características de um verdadeiro mito, com profundidade simbólica, poder transformador, raízes arquetípicas, tradição. Ou seja, apenas uma mentira, que muitos acreditaram. Muitas vezes, a maçonaria passa a ser esta caixa. — mas que com certeza, não está vazia. 


Fenômeno comum 


   Antes de falar da maçonaria, queria falar de outras instituições, ou melhor, antes mesmo de falar dessas instituições, queria dividir uma memória. Quando eu estava aprendendo a ler e escrever, não sabia nada do que iria aprender nos próximos anos, nas séries mais avançadas. Para mim, era um absoluto desconhecido o que aqueles meninos mais velhos aprendiam. Certo dia, uma professora de reforço escolar chegou para mim e disse: “Cayo, vou te ensinar um segredo. É algo especial e se chama parágrafo. Sempre que começar um assunto, você deixa o espaço de um dedo na linha. Assim, as pessoas irão saber que você começou um novo assunto.” Eu tinha acabado de aprender sobre o espaçamento de parágrafo e achava que tinha descoberto o mundo. No colégio, sempre é um segredo o que acontece nas turmas à sua frente. Mesmo que eu pegue os livros das séries mais avançadas, provavelmente não entenderia nada, — por sinal, sempre folheava, no começo do ano, os livros didáticos e sentia um misto de desespero e curiosidade para aprender tudo aquilo que não entendia. — As séries que se passavam, iam perdendo a graça. O interessante é o que não se conhece, o segredo a ser descobertos nas próximas séries. 

   Bem, falando agora de instituições. Onde não há segredos? Toda empresa tem seus segredos, que guardam os projetos ainda a serem implantados. Qual o partido político que não tem suas reuniões de caráter sigiloso? Alguém tem mais reuniões secretas que padres em seus confessionários ou psicólogos em seus consultórios? E a instituição família? Com quantos anos você pode ter acesso ao conhecimento sobre sexo? Você, independente da sua idade, realmente acha que conhece todas as histórias que aconteceram com seus pais antes, e até depois, de você nascer? Qual escola de samba que revela seu enredo antes da hora? Você acha que todo aluno conhece os planos que seus professores têm para ele? O segredo é algo diariamente presente nas nossas vidas nos mais diversos modos, ocasiões e necessidades. Desde uma reunião partidária até uma festa surpresa. E todos eles só são revelados para as pessoas certas e que estejam preparadas para ter acesso a ele. Toda equação matemática é um segredo, até ser concluída, todo texto é inevitavelmente um mistério, até você acabar de lê-lo. E você só terá acesso a estes segredos se souber ler e entender, e se for até o final. Você só conhecerá os segredos da literatura, caso seja iniciado na gramática. Com a maçonaria não é tão diferente. 

   São várias as instituições que tem o sigilo como parte integrante do seu funcionamento. A psicoterapia, a confissão dos pecados, a relação do advogado com seu cliente, contratos de sigilo empresarial. O EJC (Encontros de Jovens com Cristo), evento cristão comum entre católicos e protestantes, que reúnem jovens para um evento que é sigiloso, e só os encontristas — nome dado aos iniciados do evento — sabem o que se passa lá. Eu já participei de dois ritos de iniciação em palhaçaria, onde o estudo do palhaço clássico se desenvolvia num curso onde tudo que acontece lá, era absolutamente sigiloso e não deveria ser comentado fora do curso, nem com entre os próprios participantes. 

   Mas qual o sentido de nenhum destes segredos citados chamarem tanta atenção como os da maçonaria chama? Bem, observo que são vários motivos. Um deles são os mitos criados em volta da maçonaria, sem dúvida, o maior dos motivos. 


Só para iniciados 


   A maçonaria é uma ordem iniciática, ou seja, é necessário ser iniciado para ter acesso a certos elementos dela, como toda ordem iniciática. A iniciação está presente em todas as civilizações humanas, desde as mais isoladas tribos aos grupos mais globalizados. São rituais que marcam a transição de um estado para outro. O Baile de Debutante de uma adolescente ocidental, por exemplo, é o ritual de iniciação da jovem moça na vida adulta. O casamento, marca a mudança da vida de solteiro para uma vida em matrimonio. São diversos os rituais de iniciação que os humanos lançam mão, para marcar estes momentos de transição. 

   As Ordens Iniciáticas, por sua vez, lançam mão deste elemento para marcar a entrada do indivíduo nesta ordem e com isso, lhe dar acesso a questões especificas de cada ordem. Podendo aparecer como desafios que o adolescente precisa superar para fazer parte da turma, irmandades acadêmicas e até instituições antiquíssimas como a Igreja Católica, Maçonaria ou qualquer instituição que necessite de uma iniciação para se participar. 

   Esta iniciação restringe os não iniciados ao acesso de rituais, conhecimentos e diversos outros aspectos. Na Igreja Católica, por exemplo, você só tem acesso aos demais rituais sacramentais, caso tenha passado pelo do batismo, um ritual sacramental que simboliza a morte e ressurreição, — tal qual Cristo — tornando o iniciado uma nova criatura e só estas novas criaturas tem acesso aos demais sacramentos (Crisma, Eucaristia, Confissão, Unção dos Enfermos, Ordenação e Matrimônio). Cada instituição iniciática terá seus motivos e seus meios de dar acesso ao iniciado às questões daquela ordem, sejam estas questões sigilosas ou não. 


A necessidade de ser secreta 


   A maçonaria, independente de outras coisas, teve a necessidade pungente de, em diversos momentos da história, ser realmente secreta. Mas como é bem dito por todo maçom hoje, a maçonaria não é mais secreta. Primeiro, pelo motivo óbvio; todos sabem que ela existe, conhecem seus membros e até seus conhecimentos são de relativo acesso em livros e sites com temática maçônica. Mas o que fez a maçonaria ser secreta por tanto tempo? Além dos mistérios e dos mitos, a maçonaria sempre foi progressista e lutou para desmantelar muitos governos despóticos. Com isso, foi perseguida pelos nazistas, Igreja Católica, comunistas e diversos governos absolutistas. No Brasil, quando a coroa de Dom Pedro I começou a temer a queda da monarquia na troca para uma república, a maçonaria foi proibida e caçada. Cuba também perseguiu os maçons e ainda hoje há leis e projetos de leis que pretendem obrigar políticos maçons a declararem sua participação na ordem. 

   Além das questões políticas há também as pressões ideológicas e teológicas. A Igreja Católica, temendo o contato dos seus fiéis às ideias que tendem a certo relativismo e aceitação ecumênica, puniu por mais de um século com excomunhão automática qualquer católico que entrasse na maçonaria. Hoje, mesmo que a excomunhão não seja tão mais frequente, ainda é considerado pecado sério, afastando o fiel à eucaristias e diversas outras restrições institucionais. Tudo isso, e mais outros elementos, obrigava a maçonaria a ser pragmaticamente secreta, para fugir da perseguição antimaçônica. Mas aquém disto, a maçonaria hoje segue sendo discreta, tendo seus sigilos e guardando seus mistérios. 


Didática 


   O conhecimento da maçonaria é de caráter iniciático e progressivo. Assim que se adentra à ordem, o então aprendiz começa a ter acesso a símbolos e seus significados, vivenciando-os em ritualísticas, tal qual se faz na santa ceia para os protestantes (pão simbolizando o corpo de Cristo e o ritual de come-lo e beber o vinho, que simboliza o sangue de Cristo) ou de nossos aniversários (velas como símbolos dos anos que passaram e o ato de assopra-las). Porém, na maçonaria há uma progressão, por ser uma instituição de instrução, como uma escola. E entende-se que os iniciados só devem ter contato com os novos conhecimentos na hora certa, para potencializar o método e enraizar questões morais, éticas e filosóficas com maior profundidade. 

   Isso acontece também em diversas outras instituições, de modos variados. Você lembra que para aprender física você precisava ignorar certos elementos da realidade, como atrito do ar e gravidade? Só assim você poderia calcular velocidades, percursos e tempos de objetos e seus movimentos. E caso você entrar na faculdade, com frequência escutará do professor “Sabe o que você aprendeu na escola? Esqueça tudo.” Obviamente não devemos esquecer tudo, mas aquilo precisa ser internalizado e deixado de lado, para ser base quase que inconsciente de novos aprendizados. Não é diferente na maçonaria.

   Porém, a maioria desses ensinamentos podem ser encontrados em livrarias e na internet. Então, afinal, o que ainda é segredo na maçonaria? 


Toques, sinais e palavras de reconhecimento 


   Parece-me que os únicos segredos remanescentes são as formas que os maçons utilizam para reconhecer-se mutuamente. O famoso aperto de mão, frases, siglas e toques, que só iniciados tem acesso. Elementos estes que podem, e devem, mudar com certa frequência. Há, por exemplo, a palavra semestral que é escolhida nas potencias maçônicas, passada em códigos para as lojas e, de modo ritualístico, repassadas para os membros das lojas. Com isso, há uma palavra trocada semestralmente que serve como chave de reconhecimento entre os maçons. E também posições corporais e sinais centenários que são muito bem guardados até hoje. Além disso, os assuntos tratados dentro de loja no dia-a-dia das reuniões também são sigilosos. Todos os maçons dão sua palavra, de que irão guardar tudo consigo. 

   Mesmo não sendo necessário total sigilo, ainda se espera do maçom, uma discrição própria da ordem. Não só pelo costume e tradição, mas para proteger a própria maçonaria de embustes falaciosos. Quantos pastores não podem ouvir a palavra ritual que logo acusam a maçonaria de práticas escusas, mesmo praticando ele mesmo rituais todos os domingos nos seus cultos? Ou qualquer graduado, que passou pelo ritual de formatura que tem vestimenta própria, com a veste talar, toga e faixa de cor especifica para cada curso. Recitação de um juramento em uma posição especifica (ereto com o braço direito esticado à frente e dedos espalmados), a troca do lado da borla do capelo depois de formado, a imposição do do grau. Tudo isso num nível de importância que caso o ritual não seja adequadamente feito, ninguém terá colado grau propriamente e tudo precisará ser refeito.

   Os rituais são diariamente presentes na nossa vida. Desde de rituais menores, pessoais, costumes de casa. Até costumes da família e instituições maiores como as forças armadas, um julgamento no judiciário, esportes etc.


O mais profundo mistério da maçonaria 


   Existe apenas um segredo realmente profundo e impossível de ser repassado. Segredos que toda iniciação guarda. Este segredo não pode ser passado por palavras, por signos ou por qualquer outro meio que não seja, o da vivência. Tal qual os mistérios da religião, dos mestres de yoga e artes marciais ou tantas outras práticas, o maior segredo da maçonaria reside no coração dos maçons. Sendo impossível repassar aos outros, a não ser por meio de um convite à pratica iniciática, vivencial. Numa imersão psicológica e almática, que só pode ser sentida, nunca contada. Assim como a imersão meditativa do iogue no caminho da iluminação, a presença do Espirito Santo no coração do cristão ou a descoberta de si mesmo na psicoterapia. 


Conclusão 


   A maçonaria segue tradicionalmente discreta. Seja por costume, por conta das necessidades do passado, por didática ou por tradição. Mas qualquer ida a uma livraria, te mostrará dezenas de volumes que esmiúçam os conhecimentos maçônicos. Talvez isso faça abrir uma caixa, qual não contem pedras preciosas nem itens mágicos, uma caixa vazia. Claro, você pode achar que esta não é a caixa verdadeira e repetir a celebre frase conspiratória “isso é o que eles querem que você ache”, e seguir sua busca pela “caixa verdadeira”. Mas saiba que a caixa vazia que você jogou no chão, pode ser símbolo de um receptáculo que diz a você que “o essencial é invisível aos olhos” ou então que “se tua xícara já está cheia, não posso enche-la com meu chá”. Cabe a você decidir o que quer procurar, aonde e como.


13 de março de 2021 

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