sexta-feira, maio 03, 2024

Não esqueça de Exu

    O herdeiro ao trono de um grande reino, preocupado com seu futuro reinado, resolveu fazer oferendas a todos os orixás. Procurou o sábio da aldeia e pediu auxilio. Este começou a citar a laboriosa lista de itens que o futuro rei precisaria para a quantidade de oferendas que ele precisaria para agradar tantos orixás. Mas o herdeiro estava disposto. Ogum para boa sorte nas guerras, Oxóssi para boa sorte nas caças e agricultura, Oxum para boa sorte no amor, Omolu para afastar as pestes dos seus súditos. A lista era enorme, mas ele ia tomando nota de tudo. E por fim, o Sábio disse:


    — E para Exu. 

    — E em que Exu pode me ajudar? — perguntou ele já preocupado com a quantidade de itens e afazeres que teria de dar conta.

    — Exu tende de ser o primeiro a receber homenagens.

    — Sim, mas e Exu vai me ajudar em que? — pergunta ríspido.

    — Não esqueça de Exu.


    O jovem, já impaciente, agradece ao sábio e sai da tenda com muita coisa na cabeça. Os anos foram se passando e de tempos em tempos o jovem fazia as oferendas para algum orixá. Mas não pra Exu. Exu ajudaria em que?

    Certo dia, depois da conversa com o seu pai, agora muito ancião, este anuncia que em breve renunciará e ele ascenderá ao trono. Enquanto voltava para casa, já traçando os planos pras cerimônias e festejos, na ultima esquina antes do seu palácio, vê um homem. Era um homem alto, forte e muito bonito. Sorria. Quando cruzou a rua o homem lhe cumprimentou tirando o chapéu, ainda com um sorriso sentou numa pedra. E ali ficou por alguns dias. O príncipe logo esqueceu a cena, foram semanas de cerimônias e festejos.  

    Tanto tempo se passou, que onde tinha um homem sentado, hoje só se via um montículo de terra. Os anos se passaram. Logo o rei se casou e prosperou. Teve seu primogênito, que cresceu com saúde e coragem. Cuidou bem do reino e de seus súditos. Até que um dia, acometido por sonhos, começou a desconfiar de sua mulher. Ficou tão perturbado que mandou-a embora. Ela, desesperada, é expulsa do castelo e vai se abrigar na casa da irmã. Assim que cruza o montículo de terra que ficava na esquina, o homem, que ainda estava lá sentado por debaixo daquela terra com as mãos no joelho e um sorriso no rosto, se levanta e limpa o pó do corpo:


    — Eu sei como fazer seu marido lhe querer de volta. É simples.

    — Por favor, me diga, me diga. Eu faço tudo!

    — Não precisa de tanto. Exu só quer três fios da barba do rei.

    — Três fios da barba?

    — Sim. É suficiente pra reparar todo o dano. Tome esta adaga, é com ela que você vai retirar os três fios de cabelo. Esta noite ainda.


    Assim que dá as instruções à mulher, Exu bate na porta do palácio e pede audiência com o rei. O chefe da guarda logo manda chama-lo. O rei o recebe sem, no entanto, o reconhecer:


    — Meu rei. Preciso lhe antecipar um infortúnio.

    — Diga.

    — Vi tua mulher sair expulsa do teu castelo. Vi também muita raiva em seus olhos. E de vingança eu conheço bem. Hoje ainda ela tentará te matar. Deita tua cabeça no travesseiro, mas não te deixes dormir.

    — Vai-te daqui, louco. Não tenho tempo pra isso.


    Saindo do palácio, Exu vai ter audiência agora com o filho do rei que morava numa aldeia perto, como era costume daquele povo:


    — Vim a mando do rei, preciso falar com o príncipe herdeiro.


    Apressados, os guardas chamaram o herdeiro:


    — Diga lá. O que queres?

    — Vim mandado por teu pai. Urge que leves tua guarda para o castelo, ainda esta madrugada teu pai pretende atacar o inimigo.


    Sem pestanejar, o príncipe vira as costas e vai ajuntar a tropa.


    Colocada as peças em seus lugares, Exu volta e senta na mesma pedra, numa esquina perto do palácio. Sem perder o sorriso no rosto.

    A rainha, conhecendo os segredos do palácio, consegue entrar escondida nos aposentos do rei. Este não conseguiu dormir com aquele aviso na cabeça. Percebeu quando sua mulher entrou no quarto, fingiu que estava dormindo. Até que viu ela com um punhal na direção do seu pescoço. Assustado com a confirmação da traição e entendendo que a mulher tentava lhe cortar a garganta, o rei pula de uma só vez e começa a rolar no chão com sua mulher. Neste momento, o filho cehga ao palácio e ouve os barulhos vindo dos aposentos do rei. Corre com sua tropa. Ao escancarar a porta, vê seu pai com uma adaga na mão a tentar matar sua mãe. O rei, por sua vez, vê seu filho entrando com suas tropas no quarto e deduz que ele se aliara com a mãe para lhe destronar e termina por desferir um golpe mortal na mulher. O filho, sem entender aquela cena dantesca, saca a espada e mata o pai. A guarda do rei, que chegava na hora, vê o príncipe golpeando o rei e, numa tentativa vã de salva-lo, mata o príncipe.

    O barulho foi grande. Mas por trás de gritos de desespero e sons de espada, era possível ouvir-se uma gargalhada. Era Exu. Que agora não só sorria, mas gargalhava. Não só repousava as mãos no joelho, mas dava tapas e mais tapas enquanto arfava e ria.

    De uma cabana distante, o centenário sábio repetia com um cachimbo na boca:

     — Não esqueça de Exu.

5 de maio de 2021

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