A Bruxa (The Witch — 2016) é um conto de fadas moderno, mas com todos os aspectos dos clássicos contos de fadas. Nós sabemos como Walt Disney maquiou e deixou todos os contos digeríveis para crianças de apartamento e criadas por vó — como eu —.
Os verdadeiros contos, lá dos tempos dos irmãos Grimm, não eram nada como as coisas fofas da Disney. Chapeuzinho come a carne da própria avó, João e Maria são deixados na floresta pela mãe para morrerem de fome, em fim... nada como o brilho dos desenhos animados para apagar a verdadeira forma destes contos.
A Bruxa fez diferente e retomou os moldes clássicos, provavelmente ainda mais sombrios que os contos de fadas originais. Nos mostrou o perigo que é deixarmos de obedecer nosso pai (Deus) e nos afastar-nos da família (Igreja/Comunidade). Mas há perdão em A Bruxa? Acredito que sim.
A oração absolutamente humilhada de William — o pai — provavelmente foi ouvida por Deus, porém, seu fim não foi menos trágico por isso. Lembra-nos que a graça está no céu e não no mundo e que o julgamento de cada um só é sabido e feito pelo próprio Deus. Só podemos supor que William foi perdoado.
A Bruxa é uma tragédia, como todo bom conto de fadas. E as referências aos clássicos foram claras, e até passaram do ponto em uma das vezes — na minha opinião —. Posso citar algumas passagens:
João e Maria quando Thomasin e Caleb vão parar na floresta, por conta da fome que ameaça a família, e se perdem. Caleb encontra a casa de uma bruxa, que o engana com suas delicias; mas é Chapeuzinho Vermelho que saí ao seu encontro, entretanto não é a mocinha ingênua que conhecemos. O Lobo Mal também aparece tanto na mentira de um personagem — William inventa que foi um lobo que roubou o pequeno Samuel — e também na clara referência aos Três Porquinhos que se dá na cena onde casa de madeira é destruida com um assopro. Elementos isolados também são muitos. Corvos, coelhos que trazem mensagem, maçãs que envenenam, crianças que não obedecem aos pais e até bruxas voando em vassouras.
Infelizmente (ou não) a Disney destruiu o verdadeiro caráter dos contos de fadas de um trabalho tão bem feito que quando indicamos as referências em A Bruxa, parece que o filme vai perdendo sua seriedade. Mas não, as histórias são todas sérias, precisamos esquecer esta roupagem pasteurizada e romantizada. Contos de fadas não são pra crianças de apartamento.
4 de maio de 2016
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Caso sua expectativa seja ver um filme simples que apenas lhe cause medo e dê sustos, indico que procure outro filme. A saber disto, sigamos com o comentário cheio de spoillers. Eu, particularmente, não gosto de filmes de terror. Normalmente não aprofundam nada, nem realmente utilizam os elementos místicos que parecem utilizar. Tudo fica estéril e vazio. Não é o que acontece em A Bruxa.
O filme lança mão, de maneira eficaz, da cultura cristã e de sua subcultura pagã. Não é necessário ser nenhum especialista em alguma das duas mitologias, mas é só ter prestado atenção na catequese ou ter ido uns meses à escola dominical que você consegue se envolver com todos os elementos cristãos do filme.
Ele mistura, com qualidade, relações místicas e sobrenaturais, tomando como pano de fundo uma realidade cristã, com relações de família. A mim, pareceu um prato cheio para cristãos, paganistas/satanistas, psicanalistas, psicólogos em geral ou qualquer pessoa que se interesse nas intersecções desses elementos.
O filme começa com um julgamento, onde nós rapidamente nos compadecemos com a família acusada (de algo desconhecido) e expulsa da sociedade e da religião. O pai, com uma voz que dá toda uma aura de autoridade, renega tudo e vai viver com a família no meio do nada.
Vemos começar um declínio vertiginoso de suas vidas, em seus vários aspectos. Eles começam a sentir o peso do afastamento da civilização e, concomitantemente, da religião (que para os cristãos é a mesma coisa). Começa-se a se destruir a família, a fé, a civilidade, tudo entra em um colapso profundo.
Então, o pecado se mostra protagonista. E, um por um, vai derrubando todos exceto Thomasin, a mais filha mais velha.
O pai cai na soberba, o filho mais velho na lascívia, a mãe na vingança e rancor e os gêmeos deixam de guardar o primeiro mandamento — Adorar a Deus e amá-lo sobre todas as coisas —. Identificamos facilmente a falha desta família nos dez mandamentos e na própria tradição da Igreja.
Mas não é só no pecado que o filme se desenvolve, assim como na própria mitologia cristã, o perdão é extremamente presente e profundo. Os homens do filme se arrependem, e pagam por isso, mas se arrependem e se encontrarão no céu. O mesmo não posso dizer da mãe, que foi totalmente engolida pelo rancor e pela vingança. Questão importante, já que suas tentações foram alimentadas pelas mentiras do pai e filho, pelo furto do pai, pela luxuria incestuosa do próprio filho. Mas a mensagem é clara "Cada um que cuide dos próprios pecados. Cada um dará conta de si mesmo no juízo final." Eles se arrependeram a tempo — ou não —.
Os gêmeos me deixaram com uma pulga atrás da orelha. O que houve com eles? Eu não sei. Não eram pagãos, mas sumiram. Porém, é uma pena ser o real e único mistério que o filme deixou no ar.
A questão é que o filme é profundo em sua simbologia, tanto mística quanto psicológica, e eu passaria o dia escrevendo sobre ele, mas acho que ninguém vai ler. Enjoei de escrever. Bjs. Vai orar.
15 de março de 2021
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