sexta-feira, maio 03, 2024

Por que sopramos velas?

  Nós, seres humanos, somos seres virtuais. Não no sentido contemporâneo que damos à palavra, que é o sentido tecnológico, conexão com a internet. Nós não só somos virtuais, como é esta virtualidade que nos faz humanos. Somos virtuais por que a humanidade é esta capacidade que temos de superar o que é para o que pode ser. Somos seres virtuais por que somos seres simbólicos.

     O símbolo é um “elemento representativo visível que, por analogia, substitui um objeto, conceito, ideia ou qualidade”. Esta ideia subjetiva não está no concreto do símbolo, ela é virtual, transcende o obvio e o corpóreo. A cruz, a estrela, uma pomba branca, uma bandeira ou um brasão são todas representações de algo que está para além do objeto que representa. A própria palavra é simbolo. Quando falo “vela”, não há vela. Há apenas o conceito de vela, que você passa a acessar com o símbolo. É com esta ideia que o pintor Francês  René Magritte brinca:

“Isto não é um cachimbo” isto é apenas a representação de um cachimbo. É como se ele falasse “A palavra cachimbo não é um cachimbo, é símbolo do cachimbo, assim como esta pintura.” Mas nós conseguimos transcender também o símbolo, com o ritual.

     Nós vamos além do objeto, dando a ele um sentido simbólico, e vamos além do simbólico vivenciando-o num ritual. Na santa ceia o vinho deixa de ser apenas vinho, passa a ser o sangue de Cristo e, não bastando representar o sangue de Cristo, os cristãos o bebem, ritualizando e vivenciando o símbolo por meio do ritual. É um modo de mergulhar profundamente no símbolo. “Bebam em memória de mim.
 
 “Este cálice é o novo testamento no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que beberdes, em memória de mim. Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice anunciais a morte do Senhor, até que venha.”
 1 Coríntios 11:25,26 

     O fogo, um dos primeiros elementos que viabilizou a civilização, leva consigo uma infinita lista de simbologias. Desde sua força destruidora, sua força transformadora, seu simbolo de iluminação de consciência e civilização, enfim, uma infinidade de possibilidades simbólicas. E, para mim, no ritual de aniversário o fogo simboliza vida.

Esta chama acesa, que é energia vital, que queima e nos mantem vivos, queima, simbolicamente, em cada vela do bolo. Cada vela simbolizando um ano de vida do aniversariante. Estas velas, estacadas no alimento mais saboroso da festa, nos traz a ideia de uma vida cheia de fartura — seja no desejo, seja no fato — cada vela é um ano da vida que passou e queima na nossa frente nos relembrando que a vida se consome contraditoriamente, para continuar existindo.

Fechamos os olhos, relembrando todos aqueles anos que passaram e almejando algo para o futuro e, ritualisticamente assopramos todos eles. O aniversario é um ritual que relembra a morte, mas a morte de todos os anos que já se foram. A fumaça leva a lembrança do fogo, assim como tudo que um dia foi fogo vital, se consumiu e passou a ser fumaça, lembrança.

Mas uma chama continua acesa.

Neste momentos somos o símbolo. Uma chama que continua acesa. É a chama de dentro de nós e que está sendo celebrada pelos entes queridos e amigos em volta, num circulo, numa união. Passamos a ser o símbolo da vela e não mais o inverso, uma vela que continuará queimando, até que se apague e e nos torne apenas escuridão, o negro luto da morte de fato. Mas não é momento de usar preto, é momento de celebrar a chama que continua acesa. 
 
 Parabéns para você, felicidades. Que sua chama continua acesa até que a vida assopre.

15 de março de 2021




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