quarta-feira, janeiro 18, 2023

Viagem

Agora moro na superfície
de tua pele
visito, com frequência
os pelos da tua nuca
Meu quintal.

Percorrendo hectares
de conforto dermal
tua pele
forraria um oceano inteiro

Que eu beberia
só pra sentir todo teu tamanho 
percorrer meu próprio ser 
Que expande ao te conhecer.

As distâncias que minha 
mão percorre do teu ombro 
à esfinge do teu oblíquo 
Se mede em tempo
Da noite ao alvorecer 

Quero dias de pele. 


Leitura Labial

Não me digas que me amas
me beije, apenas.
Movimenta tua boca
mas não fales
Pronúncia o que tu queres
mas sem som
Teus lábios nos meus.
Mas não fales.
Não digas nada
Basta nossos hálitos
Nada mais que o som molhado
do eu te amo.

sexta-feira, janeiro 06, 2023

Flor de difícil desabrochar.
Não se engane com a poesia
apenas deixe-se levar pela
mentira de cada palavra
que fere fundo a falsidade 
em nós mesmos.

Ontem

Amanhã ela volta
sabe encontrar caminhos
carinhos e aconchego

Já eu, me perco em
virar a esquina

Um dia, passei o alpendre de casa
pra ver de perto um besouro leão
nunca encontrei caminho de volta

Mas ela, ela volta
ela volta ao amanhecer
a fome bater
e a saudade dizer:
Volta.

Hoje

Ela voltou, veio junto com o Sol
e o cantar dos passarinhos.
Foi caçar sonhos fugidos
que se perderam no pântano ali perto

Sábia, não se preocupou com
a angustia que brotou naquela casa
Foi só um miado e tudo sumiu

Mas os sonhos perdidos,
esses sim precisam dos olhos de sangue.
Faz tempo que não sonho que voo. 
Faz tempo que não lembro o que sonho.

Brasa

Vi uma brasa
linda, brilhante e morna
Mas não lembrava do que se tratava
A brasa, me chamava
Minha mão estava ilesa
memoria alguma me advertia
Peguei a brasa de mão cheia
como quem pega um besouro
Lembrei de imediato do que se tratava
E foi vã a velocidade que larguei-a no chão.

Febre

Hoje acordei inflamado
uma febre que termômetro
algum aferiria. 

Fiquei de cama
da cama não saí
não sei se nela eu me deitava
ou se ela que deitava em mim.

Meu corpo todo era peito
palpitando, sem noção
ou esperança.

Dei uma cidade

Eu quis dar uma cidade,
a chave dos segredos maravilhosa
desta cidade.

Quis dar o Recife e suas pontes
seus rios e toda alegria possível
quis dar. Dar de presente. Toma,
a cidade é tua.

Dei.

O que eu não imaginava
era que perderia um mundo
Dentro do mundo, minha própria
cidade. Perdi os habitantes todos,
as pontes, os rios e toda alegria possível.

Meu barco encalhou num lamaçal
fétido. É noite, As rhizophoras escondem
qualquer ponto de luz e não há estrelas.

Mas dei a cidade. Sei que dei.
Dei a cidade e amores
os meus. Toma,
são teus.

Não me sobrou nada?
finquei esperanças na lama negra
do mangue. E deitei.



quarta-feira, janeiro 04, 2023

Ele sentiu o gosto do gume
antes mesmo de sentir o gosto
metálico do próprio sangue. 
Mentiu para o rei.

Hoje

Ela voltou, veio junto com o Sol
e o cantar dos passarinhos.
Foi caçar sonhos fugidos
que se perderam no pântano ali perto

Sábia, não se preocupou com
a angustia que brotou naquela casa
Foi só um miado e tudo sumiu

Mas os sonhos perdidos,
esses sim precisam dos olhos de sangue.

Ontem

Amanhã ela volta
sabe encontrar caminhos
carinhos e aconchego

Já eu, me perco em
virar a esquina

Um dia, passei o alpendre de casa
pra ver de perto um besouro leão
nunca encontrei caminho de volta

Mas ela, ela volta
ela volta ao amanhecer
a fome bater
e a saudade dizer:
Volta

terça-feira, janeiro 03, 2023

Eu silencio tua voz

mas encosto o ouvido na porta
desesperado de medo
de acabar ouvindo algo.

Se só no teu silêncio tenho paz
busco incessantemente
tua fala, que só me diz
o que me cura, nos meus
próprios delírios de sonho.

Que medo de ouvir-te
e de nunca mais ouvir tua
voz
Não se engane com a poesia
apenas deixe-se levar pela
mentira de cada palavra
que fere fundo a falsidade 
de nós mesmos.

Ninhos

A árvore pesada de ninhos

choca ovos de sonhos
no furico dos passarinhos

Que voam no primeiro raiar do sol 
para colher o azul que tece
as asas do planar da noite

E que também ela vem pousar,
procurado descanso,
sob a copa escura da árvore

Que nunca florescerá.

Não, não chores

“Não, não chores"

É frase dita só em poesia
Chores os rios todos que tiveres
Todo líquido que se vai do corpo
É vida.

Exceto o vermelho rio
Que só há foz na revelia
da violência.

Sol e Farol

Pela primeira vez em eras

Parecia que raiava um Sol
Mas era apenas o engano de sempre
Noite turva, sem farol.

O que dói não é ter seu sorriso
apenas no fechar dos meus olhos
Mas sim o meu próprio 
Que foi feito por tuas mãos 
e que agora sobrou-me apenas
a frieza do metal.