domingo, fevereiro 20, 2011

Gaveta

Abri uma gaveta e senti o seu cheiro
Fechei com força e tranquei com duas voltas.
Lá ficou minha insulina, minha aspirina, meu remédio de pressão
Ficaram o controle da tv, a chave de casa e dois livros
Minha bombinha de asma e o nebulizador
Tranquei a chave da dispensa e o jogo de xadrez

Então, quando percebi, dentro da gaveta estava minha casa
À duas trancas estavam meus sapatos, a gravata e o violão
Cerrado entre as madeiras, meus amigos e duas ruas
Todas as lojas e supermercados
Todos os parques e uma floresta
A casa de campo e meu vizinho

Quando me atinei, a minha volta não tinha nada
Só quatro paredes, um chão e o teto.
Todos de madeira, revestidos com teu cheiro.
César Gomes

quinta-feira, fevereiro 10, 2011

Mas é preciso paixão. Paixões arrebatadoras, saraivadas.
Das que se confundem com volúpia, pura luxúria, mas que não o é.

Não tema.

Mas é necessário paixões. Das que dilaceram em prazer, a alma e o corpo.
Das que se confundem com amor, sublime dedicação, mas que não o é.

Paixões. Não tema.
César Gomes

quarta-feira, fevereiro 09, 2011

No dia que não quis chorar, chorei pra dentro.
E essa lagrima - veneno - corrompe minhas entranhas até hoje.

César Gomes

segunda-feira, fevereiro 07, 2011

O Ovo e o Ego

Nas entranhas do seu ser existe um objeto guardado. O mais bem guardado de todos os seus objetos. Está ao centro do maior cômodo, em cima de um mosaico, infinitamente belo e helicoidal, feito no chão por lascas de tons vermelhos. É de um tamanho particularmente grande, chega quase ao teto, que é realmente distante do chão. Equilibra-se em um pedestal de triplo pé, onde os pés de metal acabam em uma forma arredondada. É absolutamente homogêneo, imponente sobre o tripé, não se vê uma imperfeição na sua superfície. É como um ovo. Um ovo dourado, grandioso e radiante e absolutamente polido. Nele é guardado o seu EGO mais puro, dentro dele. E a casca é o seu orgulho, dourado. E cada apreço que lhes tem, cada amor que lhe oferecem é guardado em um pote, numa prateleira ali perto e é com eles que você poli seu objeto sagrado. Não abres mão de nem um amor, nem uma paixão repentina, nem um apreço espontâneo e passageiro, muito pelo contrario. Você seduz, induz, enfeitiça mais ainda, pra produzir e armazenar mais um frasco na sua prateleira de troféus.
                Quando um desses frascos cansa e percebe que é só mais um. Quando ele vê que nada mais é que um polidor do seu orgulho e vaidade, ele se rebela. E tenta alcançar seu EGO. E o único modo que ele tem de aparecer... de se destacar... o único meio que você deixou ele chegar perto de você... é no seu orgulho, na sua vaidade. E com um grão de areia de esperança arranha seu orgulho. Esse frasco é jogado pra longe... pro canto do salão. E se sente mal e culpado... arranhou uma coisa linda. E assim vão-se todos os frascos. Uns são quase infinitos... outros são esquecidos e evaporam. São poucos os que simplesmente dão as costas e vão embora.

Hoje eu descobri que teu dourado não é ouro e que teu ego é solitário.

Recife, 22 de agosto de 2008
Cayo Cé.

O Homem do Jornal

E depois que fiquei adulto sempre que choro, pode ser o maior dos prantos, mas sempre que choro, uma parte de mim, como um outro, simplesmente não se abala. Enquanto o resto se deságua em lagrimas, essa parte senta numa poltrona de dentro da minha cabeça e lê seu jornal tranqüilo. Vez ou outra ele abaixa o jornal e questiona - Para que esse chororô todo? Vai se olha no espelho! Você realmente está tão triste assim? Essa vontade de se olhar no espelho, de onde vem? A faça-me o favor, vá lavar o rosto e parar com essa palhaçada. – Mas todo o resto se ofende tanto com o Homem do Jornal que viram-se todos de costas e voltam às suas tristezas. É nessa hora que o Homem do Jornal lê uma tirinha engraçada e ri alto. – Acabei recordando uma coisa engraçada, vocês lembram quando – Cale a boca! – Respondem todos em coro – Não sabe respeitar uma dor? Precisamos sofrer! E é quando todos os outros começam a cessar seus choros, que o Homem do Jornal olha por cima dos óculos, dobra o jornal, se levanta, coloca o jornal dobrado bem rente às axilas e vai andando em direção a porta. Estou esperando vocês lá fora, me avisem quando essa palhaçada acabar.
De todos da minha cabeça, sei o nome da maioria. Mas até hoje, não sei o nome do Homem do Jornal e não me sinto a vontade para perguntá-lo.
César Gomes